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CENTRO ACADÊMICO DE HISTÓRIA LAGOA AMARELA: MEMÓRIAS DA LUTA EM DEFESA DA UNIVERSIDADE PÚBLICA

NOS ANOS 90

Ana Beatriz Ferreira de Oliveira

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História - “História e Conexões Atlânticas: Cultura e Poderes” (PPGHis) – UFMA. Graduada em História pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.

E-mail: beatriz.ana.fo@gmail.com,http://lattes.cnpq.br/9488563337713830


RESUMO: O Movimento Estudantil possui um histórico de lutas em defesa da educação. Trata-se de um espaço propício à formação acadêmica, política e social. Este artigo discorre sobre o Centro Acadêmico de História Lagoa Amarela da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, na cidade de São Luís nos anos 90. Naquele período o Brasil, estava em processo de redemocratização e vigorou a luta contra o avanço do neoliberalismo vinculado ao processo de privatização, inclusive das universidades do país. Analisa-se fontes documentais produzidas e arquivadas pela própria entidade ao longo das gestões que atuaram observando o reflexo das lutas da época. Utiliza-se da História Oral desenvolvida através de três entrevistas com ex-discentes que militaram na entidade, ouvindo e analisando as entrelinhas na fala dos entrevistados, os silêncios, esquecimentos e os conflitos de memória na luta por uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Para além disso, um olhar sobre a história do Movimento Estudantil de História visando perpetuar a voz estudantil, em nome da memória, direitos estudantis conquistados e da emergente necessidade de continuar lutando pela educação no Brasil.


Palavras-chave: Movimento Estudantil; UFMA; CAHIS


Redemocratização do Brasil

Brasil, década do final do século XX. O país aspirava à democracia após anos intensos de Ditadura Militar (1964-1985). Naquele contexto, o país estava desestruturado politicamente. Com o fim da Ditadura, as discussões giravam em torno de como reerguer o país e as eleições urgiam contar com a participação do povo. A promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, estabeleceu-se pautada na ideia de inclusão e respeito aos direitos políticos, humanos e sociais. O discurso sobre cidadania também vigorou naquele momento, tendo em vista que fazia parte do contexto de redemocratização, embora tenha se estabelecido de forma precária e corroída por interesses políticos. Desde a Constituição de 1988 observou-se tais iniciativas e nos anos 90 isso se intensificou e continuou mesmo diante de governos neoliberais (MIANI, 2017, p. 2).


No cenário de reestrutura da democracia, ganhava respaldo o discurso e estratégia política ancorados no neoliberalismo. Um projeto que prometia a restauração da identidade brasileira e a reconstrução da economia. Dentre seus incentivadores tem-se os governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (FHC). Para muitos, os anos 90 seriam a “década perdida” por causa do desequilíbrio econômico e acreditavam que a solução seria uma agenda neoliberal que foi usada para inserir o Brasil na forte onda capitalista. Segundo Miani (2017), as eleições de 1989 com Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula da Silva no segundo turno, proporcionaram a introdução de novas ideias econômicas para o Brasil e abertura para a noção política que se encaminhava na década de 1990. Na teia dos debates e discursos, o neoliberalismo defendido por Collor muito se distanciava das demandas de proximidade da qualidade de vida defendida por Lula, tendo em vista a baixa nos direitos trabalhistas.


Como resultado das eleições, Collor foi eleito e logo após um período exercendo o mandato, denúncias sobre práticas de corrupção envolvendo o presidente Collor vindas do irmão, Pedro Collor, começaram a surgir desestabilizando ainda mais o seu mandato e justificando seu afastamento. Baseados nos trâmites constitucionais, intensificaram o pedido de Impeachment, ou seja, um processo de destituição do mandato.


A população apresentou-se em protesto, um movimento conhecido como Fora Collor que ganhou grande repercussão nas ruas do Brasil. Encontrou-se grupos diversificados de movimentos sociais, dentre eles, o movimento de estudantes que contribuiu na organização e restabelecimento daquele episódio. Esse processo resultou no que ficou conhecido por Impeachtment de Collor, no dia 29 de setembro de 1992. Durante esse período, o Congresso Nacional votou pelo afastamento do Presidente da República. Nesses termos, tem-se o primeiro presidente impeachmado na história política do Brasil (MIANI, 2017, p. 12).


Após o processo consumado, Itamar Franco, o então, atual vice-presidente tomou posse do cargo e indicou Fernando Henrique Cardoso (FHC), para o cargo de ministro das Relações Exteriores e ministro da Fazenda. Como ministro, FHC organizou o Plano Real, um projeto de moeda com objetivo de estabilizar o Brasil e integrar a economia internacional. Naquele instante, o país encarava um profundo nível de pobreza e desemprego (COHN, 1999, p. 184). Naquele cenário, as questões sociais do país estavam paralisadas, isto é, os problemas ainda estavam crescentes.


Devido à credibilidade do Plano Real, FHC mostrou-se como o candidato que concorreria as eleições de 1994 e cujo concorrente foi Lula que, depois do Impeachment, alcançou uma grande credibilidade e aproveitou-se disso para essa nova eleição. Todavia, o vencedor do pleito foi FHC e Lula ficou em segundo lugar. Considera-se que o Plano Real semeou credibilidade entre os eleitores, uma vez que o desemprego estava em alta e essa medida econômica prometia estabilizar a economia.


Em 1995, FHC recebeu a faixa presidencial e tomou posse do Governo. Suas propostas centrais foram voltadas para a estabilização do Plano Real que o país já tinha adotado como método de crescimento (COUTO; ABRUCIO, 2003, p. 3). Priorizou-se uma agenda governamental neoliberal baseada na diminuição do quadro de empresas estatais na promessa de pagar a dívida externa e trazer mais empregos, gerando maior circulação de renda no país. Iniciou-se uma era de privatização que gerou repercussão em muitas áreas. Já no início de seu mandato, FHC trabalhou em consolidar suas propostas.


Todavia o Plano Real, moeda de credibilidade, no decorrer do governo, não atendeu aos interesses esperados. O modelo de expansão econômica através da moeda obteve suas controvérsias e tal déficit foi atribuído aos gastos que tinham com as empresas estatais, resultando em altos cortes e dando espaço para o processo de privatizações, marcas de governos neoliberais, inclusive FHC. Desde o início dos anos 90 os gastos do governo com bens sociais e com serviços públicos foi sendo reduzido progressivamente” (MACIEL, 2007, p. 6-7). Para isso, foi necessário que ocorressem alterações constitucionais, pois a Carta de 1988 proibia a privatização das estatais.


O discurso sobre a melhoria na educação partindo de iniciativas privadas foi sustentado naquele momento. Em 20 dezembro de 1996 foi aprovada a LEI Nº 9.394. As privatizações foram marcantes no governo FHC. “[...] Fernando Henrique Cardoso, em seu primeiro mandato, lançou as bases do que seria um novo modelo da relação Estado-Mercado, passando ao setor privado boa parte de um imenso patrimônio acumulado ao longo de algumas décadas” (COUTO; ABRUCIO, 2003, p. 7).


Segundo Coelho (2015), mesmo com tal venda visando ao acúmulo de capital e pagamento da dívida externa, a dívida pública continuou subindo. O plano do Governo FHC não foi bem sucedido, pois o dinheiro recebido com as vendas de estatais não foi suficiente para quitar, pelo contrário, aumentou devido ao investimento do Plano Real. Todavia, em 1997 FHC concorreu novamente às eleições e ganhou. Baseado em argumentos de continuidade para melhoria, venceu e governou nos anos de 1998 a 2002.


Naquela situação de novos rumos para o Brasil, encontram-se discussões que visavam à redemocratização do país. Observa-se um contexto de reconstrução da democracia, com muitas incidências de governos neoliberais e um alto crescimento da desigualdade social, ao passo que o conceito de cidadania foi sendo inserido. Portanto, foi de restabelecimento político e social ocasionando muitos embates internos com repercussão que também influenciam nos movimentos sociais de base.


Movimento Estudantil e a Universidade nos anos 90

O movimento estudantil faz parte do campo teórico que engloba os movimentos sociais. Reconhecido por sua efervescência em defesa da educação, traz o aspecto de combatividade e vigor nos posicionamentos frente às questões que vão além do espaço universitário. Segundo Nildo Viana (2020), o movimento estudantil é um dos principais movimentos sociais atuantes, que possui características definidas a partir do grupo social que pertencem: os estudantes.

Nos anos 90, período de transição política, o diálogo sobre direitos humanos e a cidadania foram cada vez mais buscando se reafirmar diante das advertências que vinham se instalando através dos governos que vieram depois do período de Ditadura Militar (1964-1984) e da repressão que sofreram. Veio o caso das Diretas já!, cuja participação estudantil buscou seu lugar naquele espaço, bem como o Impeachment do presidente Fernando Collor de Mello em 1992.


A política praticada pelo presidente Fernando Collor de Mello, e principalmente vigorada com Fernando Henrique Cardoso (FHC), estabeleceu uma agenda neoliberal e a lógica de enxugamento dos gastos com serviços públicos no Brasil. A era FHC trouxe uma série de reformas, bem como privatizações na área educacional.

[...] foi sobretudo a partir da década de 90, com um investimento cada vez menor do Estado no campo da educação, que as universidades públicas brasileiras acabaram se deteriorando: “[...] entre 1995 e 1999, houve uma redução de 17,3% nos gastos com as instituições federais de ensino superior e de 22,8% em sua participação no PIB, contrastando com o aumento de 17,9% na oferta de vagas e de 20,4% no número de matrículas (BOTTONI. SARDANO e COSTA FILHO, 2003, p. 32).

Para o diálogo sobre o movimento estudantil, faz- se necessário compreender o espaço que ele se encontra, a relação de força que o rege. Ao estudar o histórico da Universidade, cabe entender que ela deve ser analisada dentro do contexto em que está inserida, pois a universidade compreende as expectativas de determinado tempo.

O ponto de partida para qualquer discussão sobre universidade não poderá ser, portanto, “o fenômeno universitário” analisado fora de uma realidade concreta, mas como parte de uma totalidade, de um processo social amplo, de uma problemática mais geral do país (FÁVERO, 2006, p. 17-18).

Na década de 90, o perfil do movimento estudantil modificou-se em consequência do neoliberalismo. Os discentes que ingressaram na universidade estavam conduzidos pela lógica mercadológica, ou seja, entravam com intenção principal de obter formação profissional para alcançar uma vaga no mercado de trabalho. Assim, houve modificação também do movimento estudantil universitário (MESQUITA, 2001, p. 56).


Chegar na universidade pública continuou sendo privilégio e esse quadro se agravou pois o número de vagas caiu à medida que os recursos repassados do governo foram sendo controlados. Paralelo a isso, as faculdades de iniciativa privada aumentaram, foram ganhando espaço e crescimento na década de 90 pautadas na Lei de Base e Diretrizes nº 9.394/1996. A principal chave de modificação foi a abertura para atuação de iniciativas privadas e a modificação do modelo de universidade (RIBEIRO, 2000, p. 60). Acreditava-se que tal prática poderia gerar uma gradativa privatização do ensino e o Estado não seria mais responsável de oferecer gratuitamente tal ensino para a sociedade, voltando assim, para uma educação fortemente elitista.


Pautados nisso, os acadêmicos das universidades públicas eram bem visados no mercado de trabalho e poderiam assumir vagas para ministrar aulas mesmo que ainda graduandos. Essa ideia foi modificada somente em 1999 por força do Decreto n° 3.275, de 6 de dezembro, solicitando formação no ensino superior para atuar no ensino básico. Assim, para quem vinha da classe baixa e média da sociedade, aceitavam as vagas de emprego ainda graduando, pois em meio à baixa perspectiva de renda financeira que acontecia no país e o sucateamento das universidades, muitos optam por esse caminho como forma de garantia.

A norma da eficiência e da competição leva grande parte dos estudantes a preocupações mais localizadas e especializadas como solução imediata para seus interesses. A insegurança, o ‘realismo’, o pragmatismo, o individualismo, a tendência em aceitar as leis do mercado, são características ou mudanças que vão sendo incorporadas no modo de ser do estudante, e são conseqüências também da própria forma como a universidade está sendo estruturada (MESQUITA, 2001, p. 57).

Observa-se que houve diversas reações diante disso: aqueles que mantinham a visão de formação profissional e aqueles que ainda acreditavam na universidade como lugar de construir conhecimento através do debate, da luta e do posicionamento. Gerou um preconceito com relação aos militantes universitários.


Entre as pautas da educação também estava o Provão, o modelo de avaliação do ensino universitário que o Ministro da Educação, Paulo Renato Sousa, do Governo FHC, pretendia aplicar. Ele defendia que tal prova mediria o conhecimento nas universidades e aumentaria as verbas, mas os estudantes acreditavam que isso serviria como forma de limitar os repasses para as universidades, uma vez que as provas não coincidiam com o modelo de ensino universitário (MESQUITA, 2001, p. 114). Foram marcos o Fora Collor! No primeiro mandato de FHC, Defesa da Universidade Pública; segundo Mandato de FHC com o movimento CHEGA DE FHC!. Essa tomada de postura devia-se ao entendimento da representação estudantil como espaço de importância para o meio. Houve movimentação de professores, estudantes e servidores contra as posições do Governo FHC, pois a "[...] educação, como direito social fundamental, estava sendo apropriada pelo capital para desenvolver sua plataforma política econômica de gestão e controle" (CARDOSO. MIRANDA. SANTOS e PESSOA, 2009, p. 01). Nesse sentido, a luta pela defesa da educação pública e de qualidade era o foco, pois o processo de privatização estava atingindo a educação. Como ressalta Araújo (2012),

A Universidade não vai mudar sem a efetiva participação popular, não podendo ser transformada de dentro para fora; pelo contrário, seus muros irão cair de fora pra dentro, como consequência da chegada do povo ao poder (ARAÚJO, 2012, p. 44).

O sucateamento das universidades, com práticas de privatização dos serviços básicos e cortes nas verbas ocasionam baixa infraestrutura na universidade. Outros temas como a reforma universitária e avaliação institucional foram enfatizados. A defesa da educação pública brasileira, em específico as universidades, tornou-se legítima.


Centro Acadêmico de História Lagoa Amarela: fontes escritas e orais

O CAHIS Lagoa Amarela enquanto entidade representativa dos estudantes de História da Universidade Federal do Maranhão em São Luís faz referência a um quilombo do Maranhão fundado por Cosme Bento das Chagas, mais conhecido como Negro Cosme, um escravo ativista que lutava pelo fim da escravidão. Lagoa Amarela representava o lugar de resistência ao sistema escravocrata, onde eram desenvolvidas atividades educativas para os negros escravizados que ali chegavam. De tal inspiração veio o nome atribuído à entidade de representação estudantil de História da UFMA.


O slogan do CAHIS Lagoa Amarela representa o símbolo dessa resistência no Maranhão. Portanto, a entidade firma-se na ideia de resistir, lutar, formar e representar o movimento estudantil de História.


Fonte: Acervo CAHIS Lagoa Amarela Gestão Apologeticus: Unidos pela História

Em muitos momentos, encontrou-se nos documentos identificando-o como C.A e outras vezes D.A. Sobre isso, sabe-se que as duas nomenclaturas servem para identificar, embora se tenha notado com mais frequência chamar CAHIS Lagoa Amarela. A Federação do Movimento Estudantil de História (FEMEH) lançou uma nota a respeito,

O movimento estudantil de área, ou seja, por curso, pode ser representado de várias formas, desde centro ou diretórios de base, através dos conselhos regionais e nacionais e a organização nacional de área, que pode ser basicamente federativa ou executiva (FEMEH E EXECUTIVA, 1994, p. 1).

O Centro Acadêmico de História Lagoa Amarela acumulou um vasto material ao longo de sua existência. Entre a década de 90, mapeou-se documentos de 1992 a 1999. Os documentos estavam datilografados em sua maioria, e foram mapeados os seguintes:


Tabela – Quantidade de Documentos



Fonte: Elaborada pela autora, 2019.


Para análise, levou-se em consideração conhecer o contexto, observar quem as escreveu, os critérios adotados, uma vez que o trabalho historiográfico se encontra nesse interesse de análise do passado partindo do presente.


Levando em consideração que se trata de uma história recente, foi utilizado como suporte para essa investigação a História Oral, pois como diz Robert Frank (1999). A História Oral serve também para ouvir as vozes que não soaram em seus tempos. Foi estabelecido um diálogo entre memória escrita e oral, levando em consideração que possibilitam entender as motivações dos movimentos (FRANK, 1999, p. 105). O primeiro entrevistado foi o Prof. Me. Wagner Cabral, ex-discente e atualmente compõe o quadro do Departamento de História da UFMA. A segunda foi Profª Drª Helidacy Corrêa, e o terceiro entrevistado foi Prof. Drº. José Henrique Borralho. Ambos ex-discentes, e atualmente compõe o quadro de professores do Departamento de História da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).


As fontes escritas e orais do CAHIS Lagoa Amarela refletem algumas demandas emergentes na época, dentre eles, destaca-se aqui os que contém vestígios da militância do movimento estudantil em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade. Entre o acervo, alguns documentos relacionados à União Nacional dos Estudantes – UNE, Federação do Movimento Estudantil de História – FEMEH, Diretório Central dos Estudantes, alguns eventos estudantis como o Encontro Nacional dos Estudantes voltado para a pauta da luta em defesa da universidade pública.


Observou-se parte da movimentação em favor da Regulamentação da Profissional de História através do abaixo-assinado mobilizado pela FEMEH.

Acervo 1 – Abaixo Assinado em favor da Regulamentação da Profissão de Historiador


Fonte: Acervo CAHIS


Percebeu-se a participação ativa da FEMEH em Brasília sobre o processo que envolveu um alvo importante para a área dos que atuavam como discentes: A regulamentação da profissão de História. Segundo o texto, houve uma discussão conjunta sobre a proposta em Brasília e encaminharam os informes do processo para as universidades ou, ao menos àquelas que possuíam mais envolvimento, através dos Centros Acadêmicos.


A Regulamentação do Profissional de História era pauta de luta naquela época, citada em diversos pontos como pauta das entidades estudantis e relatado pelo entrevistado Wagner Cabral, “A única questão que estava mesmo na época e continua até hoje é a regulamentação da profissão [...]” (CABRAL, 2018).


Assim, observa-se a atuação da FEMEH, como órgão de representação máxima do Movimento Estudantil de História que passou por modificações organizacionais, visando à maior democratização da entidade, com bandeiras de lutas bem levantadas nas questões políticas do país no decorrer da década.


Sobre o processo de sucateamento das universidades públicas, o entrevistado Henrique Borralho descreveu a preocupação naquele momento com relação à política e seus desdobramentos no espaço universitário, fazendo referência ao processo de privatização das universidades. Houve memória sobre a falta de materiais básicos necessários para o funcionamento da universidade recorrente nas bibliografias sobre a temática. “[...] coisas básicas para funcionamento da universidade faltava e não sabiam como recorrer, [...]” (BORRALHO, 2018).


As licenciaturas também se expandiram nos anos 90, assim como as universidades e escolas particulares, então havia a oportunidade de empregos para os graduandos. Por causa das dificuldades financeiras, muitos aceitaram as propostas de emprego para lecionar no ensino básico. Como foi o caso do entrevistado Wagner Costa, da entrevista Helidacy Corrêa, segundo as entrevistas.


Wagner Cabral enfatizou em sua fala “[...] depois comecei a trabalhar, dar aula, isso acabou atrasando minha formatura [...]” (CABRAL, 2018). A entrevistada Helidacy Correa recorreu que suas memórias sobre a época se dividiam entre o trabalho e a academia “[...]. Os meninos que estavam mais atuantes, eram os que tinham mais tempo para as vivências acadêmicas né. Eu tenho impressão que era mais isso [...]. Os mais velhos da turma era trabalho, faculdade, trabalho né” (CORRÊA, 2019).


Dessa forma, observa-se que o movimento estudantil também foi afetado com as novas políticas juntamente com o país, pois foi época de mudanças nas relações trabalhistas que afetaram a universidade. Resultava em um certo desinteresse dos universitários pela política refletida em parte dos estudantes, gerando um preconceito com relação à militância universitária. Como relatou Borralho, “Tinha muito estudante que entrava e o que ele queria era aula. Ele não queria discussão política porque ele havia entrado ali para conseguir emprego [...]” (BORRALHO, 2018). Com a instabilidade econômica do país, houve um crescimento mercadológico da educação. Naquele tempo os graduandos tinham liberdade para atuar no mercado de trabalho, resultava em ajuda financeira, porém danificava o aproveitamento acadêmico e ocasionava uma certa “privatização do pensamento”.


Outras memórias destacaram a luta em defesa da universidade pública. Em 1999, no dia 26 de março, os estudantes foram às ruas com a frase: Se cuida FHC, quem derrubou Collor pode derrubar você e FHC, pode esperar, a sua hora vai chegar. No primeiro mandato de FHC, a Defesa da Universidade Pública, e no seu segundo mandato com o movimento CHEGA DE FHC!. Essa tomada de postura devia-se ao entendimento da importância da representação estudantil.


Como relatou Henrique Borralho, "Em 90 não tínhamos nada, nada. O Centro Acadêmico tinha que lutar por tudo né [...]. Era pouco, os estudantes eram muito pobres na década de 90 né, então não era tanto assim, era centavos como hoje [...]" (BORRALHO, 2018).



A LDB 1996 deu espaço para a iniciativa privada e instituiu como responsabilidade do Estado o controle de qualidade. Dessa perspectiva, criou-se o Provão, como explanado na parte anterior do artigo, à política de avaliação do ensino superior adotada pelo Governo FHC. “Assim, ao Estado caberia apenas regular e controlar a educação superior por meio da criação de mecanismos de credenciamento e avaliação” (BOTTONI; SARDANO; FILHO, 2003, p. 32). A crítica a tal método de avaliação não correspondia ao ensino crítico de universidade.


Portanto, entre outras reivindicações da época estava a greve nas federais Contra o Provão. A representação feita a caneta no verso de um informativo de reunião, trouxe à memória uma pauta latente de luta entre os estudantes em 1996. Os discentes decidiram que iriam à prova, mas a deixaram em branco. Tal arte representou como o Provão estava no imaginário dos discentes da época: abafando, sufocando ou mesmo pegando-os de surpresa no meio do sucateamento do ensino.



O DCE 17 de setembro possuía um Informativo feito pela Gestão Pra não pagar mensalidade na qual o próprio nome transmitia a luta contra a privatização da Universidade naquele tempo. Percebe-se que a temática pairava no meio acadêmico e refletia em diversos espaços das entidades estudantis.

Sobre os encontros estudantis, mapeou-se o XV ENEH HISTÓRIA E GOVERNOS POPULARES, temática do XV Encontro Nacional dos Estudantes de História. O evento pretendia discutir sobre a relevância dos governos populares no Brasil e sobre a política de FHC que era o oposto naquele tempo. Eram eventos que visavam à concentração dos discentes em uma determinada universidade para formação política com viés social e cultural e incentivando o intercâmbio acadêmico também contemplavam um assunto do contexto político do país, era o momento para organização do movimento estudantil assim como debates, grupos de trabalhos e atividades culturais seguindo os requisitos da conforme ordenava o Estatuto da FEMEH. Sobre tais encontros, encontrou-se registros ao longo do acervo do CAHIS Lagoa Amarela, exemplificando categoricamente o funcionamento e temas relevantes da década de 1990.



A realização do evento foi da FEMEH e do CAHIS Lagoa Amarela FEMEH, ocorreu na UFMA. Sobre o encontro o entrevistado Henrique Borralho relatou,

[...] além de também ter feito parte da organização do único ENEH em São Luís. Eu era, não foi na minha gestão, a nossa gestão, mas eu fiz parte da gestão anterior embora não fosse da gestão, nós participamos [...] e nós realizamos o ENEH. Foi em 95, né. Nós fizemos um ENEH em 95 [...] (BORRALHO, 2018).

Assim, observa-se muitas ações do movimento estudantil regidas pelo contexto em que estavam inseridos. Os documentos divulgaram a comunicação que o CAHIS Lagoa Amarela mantinha com as demais instâncias que rodeavam sua existência, como universidades e outras entidades. A diversidade do arquivo ampliou a visão sobre aquele momento, bem como a fala dos entrevistados ao enfatizar o sucateamento e a luta pelo ensino público superior.


Considerações Finais

Conhecer a história da universidade traz conhecimento do contexto, da relação de força que a sustenta. Possibilita compreender os caminhos que levaram a sua criação, bem como sua existência e resistência em nome da ciência. A história da militância estudantil precisa ser contada, pois é a história de sujeitos atuantes na construção do mundo. Observa-se que possuem um longo histórico de atuação na política, inclusive do Brasil, interferindo no funcionamento das universidades.

As bibliografias ressaltam que as universidades públicas foram duramente repreendidas com a inserção do neoliberalismo no Brasil, o acervo do CAHIS Lagoa Amarela refletiu essas demandas através da variedade documental, bem como as entrevistas com ex-discentes que cruzaram suas memórias enquanto militantes da época, mas também enquanto docentes conhecedores daquele contexto. Observou-se o neoliberalismo crescendo e atuando dentro do espaço universitário através do sucateamento das universidades e abertura para a iniciativa privada. A falta de infraestrutura, bem como as ideias de mercado modificaram a função das universidades naquela época. O Centro Acadêmico Lagoa Amarela nos anos 90 atuou contra a privatização das universidades, em específico da Universidade Federal do Maranhão. Eles reivindicaram, dentro das limitações frente às novas disposições do governo na área de educação. Em comunicação com outras instâncias representativas como outros C.A’s, DCE’s e FEMEH, articularam-se para resistência do ensino superior público.

O Movimento Estudantil de História lutou pela permanência da universidade pública e o CAHIS Lagoa Amarela esteve conectado e atuante nessa luta. Portanto, trata-se da memória do movimento estudantil voltado para política educacional brasileira refletida na universidade, visando perpetuar e ressaltar os direitos conquistados e a emergente necessidade de continuar lutando pela reparação de direitos educacionais.

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